quinta-feira, 19 de setembro de 2013

17 - CERSEI



Três miseráveis idiotas com um saco de couro, pensou a rainha quando os homens se dobraram sobre os joelhos à sua frente. O aspecto deles não a encorajava. Suponho que haja sempre um a chance.
- Vossa Graça - disse Qyburn em voz baixa - o pequeno conselho...
- ... esperará por mim. Talvez possa levar notícias sobre a morte de um traidor - do outro lado da cidade, os sinos do Septo de Baelor cantavam sua canção de luto. Nenhum sino soará por você, Tyrion, pensou Cersei. Mergulharei sua cabeça em alcatrão e darei seu corpo retorcido aos cães. - Em pé - ela ordenou aos aspirantes a lordes. - Mostrem o que me trouxeram.
Eles se levantaram; três homens feios e esfarrapados. Um tinha um furúnculo no pescoço, e nenhum tomara banho no último meio ano. A possibilidade de elevar gente como eles a uma senhoria a divertia. Podia colocá-los ao lado de Margaery em banquetes. Quando o idiota chefe desatou a corda que fechava o saco e mergulhou a mão lá dentro, o cheiro de decomposição encheu a sala de audiências como uma fétida roseira. A cabeça que ele tirou para fora era verde-acinzentada e estava repleta de larvas. Cheira como o pai. Dorcas arquejou, e Jocelyn cobriu a boca com a mão e vomitou.
A rainha examinou o prisioneiro, sem vacilar:
- Mataram o anão errado - disse por fim, ressentindo-se de cada palavra.
- Não matamos, não - um dos idiotas se atreveu a dizer. - Isto tem de ser ele, sor. Um anão, vê? Apodreceu um bocado, é só isso.
- E também lhe cresceu um nariz novo - Cersei observou. - E um nariz bastante proeminente, eu diria. O nariz de Tyrion foi cortado numa batalha.
Os três idiotas trocaram um olhar.
- Ninguém nos disse - informou aquele que tinha a cabeça na mão. - Este apareceu caminhando com todo o descaramento do mundo, um anão feio qualquer, e a gente pensou...
- Ele disse que era um pardal - acrescentou o do furúnculo - e você disse que ele estava mentindo - a acusação dirigia-se ao terceiro homem.
A rainha enfureceu-se ao pensar que tinha deixado o pequeno conselho à espera por causa daquela farsa.
- Desperdiçaram meu tempo e mataram um homem inocente. Devia mandar cortar-lhes a cabeça - mas, se o fizesse, o próximo homem poderia hesitar e permitir que o Duende escapasse. Preferia fazer uma pilha de anões mortos com três metros de altura a deixar que isso acontecesse. - Saiam da minha vista.
- Sim, Vossa Graça - disse o do furúnculo. - Pedimos perdão.
- Quer a cabeça? - perguntou o homem que a tinha na mão.
- Entregue-a a Sor Meryn. Não, dentro do saco, seu cretino. Sim. Sor Osmund, acompanhe-os até lá fora.
Trant levou a cabeça e Kettleblack os carrascos, deixando apenas o café da manhã da Senhora Jocelyn como indício de sua visita.
- Limpe isto imediatamente - ordenou-lhe a rainha. Aquela tinha sido a terceira cabeça que lhe entregavam. Pelo menos esta era de um anão. A última era apenas de uma criança feia.
- Alguém encontrará o anão, não tema - garantiu-lhe Sor Osmund. - E quando o fizerem, o deixaremos bem morto.
Ah, é mesmo? Na noite anterior Cersei tinha sonhado com a velha, com suas maxilas pedregosas e a voz coaxante. Maggy, a Rã, era como a chamavam nas ruas de Lanisporto. Se o pai tivesse descoberto o que ela me disse, teria mandado cortar-lhe a língua. Mas Cersei nunca contara a ninguém, nem mesmo a Jaime. Melara disse que se nunca falássemos das profecias dela, nós as esqueceríamos. Disse que uma profecia esquecida não se podia tornar verdadeira.
- Tenho informantes farejando o Duende por todo lado, Vossa Graça - disse Qyburn. Envergava algo muito semelhante a uma veste de meistre, mas branca, em vez de cinza, imaculada como os mantos da Guarda Real. Volutas de ouro decoravam-lhe a bainha, as mangas e o rígido colarinho alto, e trazia uma faixa dourada atada à cintura. - Em Vilavelha, Vila Gaivota, Dorne, até nas Cidades Livres. Não importa para onde fuja, meus transmissores de segredos o encontrarão.
- Parte do princípio de que ele abandonou Porto Real. Pode estar escondido no Septo de Baelor, tanto quanto sabemos, balançando nas cordas dos sinos para fazer aquela horrível algazarra - Cersei fez uma expressão amarga e permitiu que Dorcas a ajudasse a se levantar. - Venha, senhor. Meu conselho espera - deu o braço a Qyburn ao descer as escadas. - Tratou daquela pequena tarefa que lhe atribuí?
- Tratei, Vossa Graça. Lamento que tenha demorado tanto tempo. É uma cabeça tão grande. Os escaravelhos levaram muitas horas para limpar a carne. Como pedido de desculpas, forrei uma caixa de ébano e prata com feltro, para fazer uma apresentação adequada do crânio.
- Um saco de pano serviria igualmente bem. Príncipe Doran quer a cabeça. Está pouco se importando com o tipo de caixa em que ela virá.
O repicar dos sinos era mais forte no pátio. Ele era só um Alto Septão. Quanto mais tempo teremos de aguentar isto? Os sinos eram mais melodiosos do que os gritos da Montanha tinham sido, mas...
Qyburn pareceu pressentir o que ela pensava.
- Os sinos pararão ao pôr do sol, Vossa Graça.
- Isso será um grande alívio. Como sabe?
- Saber é a natureza do serviço que presto.
Varys nos fez acreditar que era insubstituível. Que tolos fomos. Depois de a rainha ter feito constar que Qyburn ocuparia o lugar do eunuco, os parasitas de costume não tinham perdido tempo em se dar a conhecer para trocar seus sussurros por algumas moedas. Sempre foi a prata, não a Aranha. Qyburn nos servirá igualmente bem. Estava ansiosa para ver a expressão no rosto de Pycelle quando Qyburn ocupasse seu lugar.
Um cavaleiro da Guarda Real encontrava-se sempre a postos na porta dos aposentos do conselho quando o pequeno conselho estava em sessão. Naquele dia, era Sor Boros Blount.
- Sor Boros - disse a rainha num tom agradável - pareceu bastante pálido hoje de manhã. Algo que tenha comido, talvez? - Jaime fizera dele provador do rei. Uma tarefa saborosa, mas vergonhosa para um cavaleiro. Blount odiava-a. Suas bochechas caídas estremeceram quando segurou a porta para eles passarem.
Os conselheiros aquietaram-se quando ela entrou. Lorde Gyles tossiu como em saudação, fazendo ruído suficiente para acordar Pycelle. Os outros ergueram-se, proferindo palavras cerimoniosas. Cersei permitiu-se o mais tênue dos sorrisos.
- Senhores, sei que todos perdoarão meu atraso.
- Estamos aqui para servir Vossa Graça - disse Sor Harys Swyft. - É um prazer esperar sua chegada.
- Estou certa de que todos conhecem Lorde Qyburn.
Grande Meistre Pycelle não a desapontou.
- Lorde Qyburn? - conseguiu dizer, tornando-se roxo. - Vossa Graça, este... Um meistre profere votos sagrados, jurando não possuir terras nem senhorias...
- Sua Cidadela tirou-lhe a corrente - lembrou Cersei. - Se ele não é um, não pode ser limitado pelos votos de meistre. Talvez recorde-se de que também chamávamos o eunuco de lorde.
Pycelle pôs-se a falar de maneira atrapalhada.
- Este homem é... ele é inadequado...
- Não ouse falar de adequação comigo depois do nauseabundo objeto de escárnio em que transformou o cadáver do meu pai.
- Vossa Graça não pode pensar... - o velho ergueu a mão manchada, como que para se proteger de um golpe. - As irmãs silenciosas removeram as entranhas e os órgãos de Lorde Tywin, drenaram-lhe o sangue... tomaram todos os cuidados... seu corpo foi preenchido com sais e ervas odoríferas...
- Oh, poupe-me dos detalhes repugnantes. Eu cheirei o resultado de seus cuidados. As artes curativas de Lorde Qyburn salvaram a vida de meu irmão, e não duvido de que ele servirá ao rei de forma mais hábil do que aquele eunuco afetado. Senhor, conhece seus colegas do conselho?
- Seria débil informador se não conhecesse, Vossa Graça - Qyburn sentou-se entre Orton Merryweather e Gyles Rosby.
Meus conselheiros, Cersei arrancara todas os rosas, e todos aqueles com obrigações para com o tio ou os irmãos. Em seus lugares encontravam-se homens cuja lealdade lhe pertencia. Até lhes dera novos títulos, e pedidos de empréstimo às Cidades Livres; a rainha não admitiria nenhum “mestre” na corte além de si própria. Orton Merryweather era seu administrador de justiça; Gyles Rosby, seu senhor tesoureiro. Aurane Waters, o fogoso jovem Bastardo de Derivamarca, seria seu grande almirante.
E para Mão, Sor Harys Swyft.
Mole, careca e obsequioso, Swyft possuía um absurdo tufozinho branco de barba onde a maioria dos homens tinha um queixo. O galo anão azul de sua Casa estava desenhado em contas de lápis-lazúli na frente de seu gibão de pelúcia amarela. Por cima daquilo, usava uma capa de veludo azul decorada com uma centena de mãos douradas. Sor Harys ficara deliciado com a nomeação, obtuso demais para perceber que era mais refém do que Mão. A filha era esposa do tio de Cersei, e Kevan amava sua senhora desprovida de queixo, por mais rasa de peito que fosse, por mais galináceas que fossem suas pernas. Enquanto tivesse Sor Harys na mão, Kevan Lannister teria de pensar duas vezes antes de se lhe opor. É certo que um sogro não é o refém ideal, mas antes um escudo fraco do que nenhum.
- O rei virá juntar-se a nós? - perguntou Orton Merryweather.
- Meu filho está brincando com sua pequena rainha. No momento, sua ideia de ser rei é carimbar papéis com o selo real. Sua Graça ainda é novo demais para compreender assuntos de Estado.
- E o nosso valente Senhor Comandante?
- Sor Jaime encontra-se em seu armeiro, experimentando uma mão. Sabe que estávamos todos fartos daquele feio toco. E creio bem que ele acharia esses procedimentos tão cansativos quanto Tommen - Aurane Waters respondeu com um risinho. Ótimo, pensou Cersei, quanto mais rirem, menos ameaçadores eles serão. Que riam . - Temos vinho?
- Temos, Vossa Graça - Orton Merryweather não era um homem de boa aparência, com seu grande nariz de aspecto pesado e o desordenado matagal ruivo alaranjado que tinha na cabeça, mas nunca era menos que cortês. - Temos tinto de Dorne e Dourado da Árvore, e um belo hipocraz doce de Jardim de Cima.
- O dourado, parece-me. Acho os vinhos de Dorne tão amargos quanto os dorneses - enquanto Merryweather lhe enchia a taça, Cersei disse: - Suponho que podemos começar por eles.
Os lábios do Grande Meistre Pycelle ainda tremiam, mas de algum modo conseguiu descobrir onde tinha a língua.
- Às suas ordens. Príncipe Doran prendeu as insubmissas bastardas do irmão, mas Lançassolar continua em ebulição. O príncipe escreve que não tem esperança de acalmar as águas até receber a justiça que lhe foi prometida.
- Com certeza - uma criatura cansativa esse príncipe. - Sua longa espera está prestes a terminar. Vou enviar Balon Swann a Lançassolar, para lhe entregar a cabeça de Gregor Clegane - Sor Balon teria também outra tarefa, mas era melhor omitir esta parte.
- Ah - Sor Harys Swyft: remexeu sua divertida barbicha com o polegar e o indicador. - Então ele está morto? Sor Gregor?
- Imagino que sim, senhor - Aurane Waters disse secamente. - Disseram-me que remover a cabeça de cima do corpo é frequentemente mortal.
Cersei o favoreceu com um sorriso; apreciava um pouco de espírito, desde que não fosse ela o alvo.
- Sor Gregor não resistiu aos ferimentos, tal como Grande Meistre Pycelle tinha previsto.
Pycelle fitou Qyburn com uma expressão amarga.
- A lança estava envenenada. Ninguém poderia tê-lo salvado.
- Foi o que disse. Lembro-me bem - a rainha virou-se para sua Mão. - De que falavam quando cheguei, Sor Harys?
- De pardais, Vossa Graça, O Septão Raynard diz que podem subir a dois mil os que se encontram na cidade, e chegam mais todos os dias. Seus líderes pregam sobre a condenação e a adoração de demônios...
Cersei provou o vinho. Muito agradável.
- E já há muito que alguém devia fazê-lo, não lhe parece? De que chamaria aquele deus vermelho que Stannis adora, se não de demônio? A Fé deve opor-se a um mal como este - Qyburn lembrara-lhe daquilo, o esperto homem. - Nosso falecido Alto Septão deixava passar muitas coisas, temo. A idade diminuíra-lhe a visão e exaurira-lhe as forças.
- Ele era um velho acabado, Vossa Graça - Qyburn sorriu para Pycelle. - Seu falecimento não nos devia ter surpreendido. Ninguém pode pedir mais do que morrer pacificamente no sono ainda cheio de anos.
- Não - disse Cersei - mas esperemos bem que seu sucessor seja mais vigoroso. Meus amigos da outra colina dizem-me que o mais provável é que seja Torbert ou Raynard.
Grande Meistre Pycelle pigarreou.
- Também tenho amigos entre os Mais Devotos, e eles falam do Septão Ollidor.
- Não menospreze Luceon - disse Qyburn. - Na noite passada homenageou trinta dos Mais Devotos com leitão e Dourado da Árvore, e de dia distribui pão duro aos pobres, para demonstrar sua piedade.
Aurane Waters parecia tão aborrecido quanto Cersei com toda aquela conversa oca sobre septões. Visto de perto, seus cabelos eram mais prateados do que dourados, e os olhos eram cinza-esverdeados, ao passo que os do Príncipe Rhaegar tinham sido purpúreos. Mesmo assim, a semelhança... Perguntou a si mesma se Waters cortaria a barba por ela. Embora fosse dez anos mais novo do que Cersei, desejava-a; ela percebia no modo como a olhava. Os homens olhavam-na daquela forma desde que os seios tinham começado a despontar. Porque eu era tão bela, diziam eles, mas Jaime também era belo, e nunca os olhava daquela forma. Quando era pequena, por vezes vestia a roupa do irmão, de brincadeira. Ficava sempre surpresa com a diferença de tratamento dos homens para com ela quando pensavam que era Jaime. Até o próprio Lorde Tywin...
Pycelle e Merryweather continuavam a jogar com as palavras a propósito de quem se tornaria o novo Alto Septão.
- Um servirá tão bem quanto o outro - anunciou abruptamente a rainha - mas seja quem for, quem colocar a coroa de cristal deve proclamar um anátema contra o Duende - o último Alto Septão mantivera-se notavelmente silencioso acerca de Tyrion. - Quanto a esses pardais cor-de-rosa, desde que não preguem a traição, são problema da Fé, não nosso.
Lorde Orton e Sor Harys murmuraram acordo. A tentativa de Gyles Rosby para fazer o mesmo dissolveu-se num ataque de tosse. Cersei virou o rosto, repugnada, quando ele puxou um escarro de muco ensanguentado.
- Meistre, trouxe a carta vinda do Vale?
- Trouxe, Vossa Graça - Pycelle colheu-a de sua pilha de papéis e a alisou. - É mais uma declaração do que uma carta. Assinada em Pedrarruna por Bronze Yohn Royce, Senhora Waynwood, os Lordes Hunter, Redfort e Belmore e por Symond Templeton, o Cavaleiro de Novestrelas. Todos eles afixaram seus selos. Escrevem...
Um monte de asneiras.
- Os senhores podem ler a carta se assim o desejarem. Royce e os outros estão reunindo homens por baixo do Ninho da Águia. Pretendem retirar de Mindinho o cargo de Senhor Protetor do Vale, à força se necessário. A questão é: devemos permitir?
- Lorde Baelish procura nossa ajuda? - Harys Swyft quis saber.
- Por enquanto não. Na verdade, parece bastante despreocupado. Sua última carta menciona os rebeldes apenas de passagem antes de me implorar que lhe envie umas velhas tapeçarias de Robert.
Sor Harys passou os dedos pela barba.
- E esses senhores da declaração, será que eles apelam ao rei para que os ajude?
- Não.
- Então... talvez não tenhamos de fazer nada.
- Uma guerra no Vale seria uma grande tragédia - Pycelle observou.
- Guerra? - Orton Merryweather soltou uma gargalhada, - Lorde Baelish é um homem muito divertido, mas não se trava uma guerra com ditos de espírito. Duvido que chegue a haver derramamento de sangue. E será que importa quem é regente do pequeno Lorde Robert, desde que o Vale envie seus impostos?
Não, decidiu Cersei. Na verdade, Mindinho tinha sido mais útil na corte. Ele tinha um dom para arranjar ouro, e nunca tossia.
- Lorde Orton me convenceu. Meistre Pycelle, instrua esses Senhores Declarantes de que nenhum mal deve acontecer a Petyr. Fora isso, a coroa se satisfará com quaisquer disposições que possam fazer para a governança do Vale durante a menoridade de Robert Arryn.
- Muito bem, Vossa Graça.
- Podemos discutir a frota? - Aurane Waters perguntou. - Menos de uma dúzia de nossos navios sobreviveu ao inferno na Água Negra. Temos de restaurar nosso poder no mar.
Merryweather assentiu:
- O poder naval é altamente essencial.
- Seria possível fazer uso dos homens de ferro? - Orton Merryweather questionou. - O inimigo do nosso inimigo? O que quereria de nós a Cadeira de Pedra do Mar como preço de uma aliança?
- Eles querem o Norte - respondeu Grande Meistre Pycelle - que o nobre pai de nossa rainha prometeu à Casa Bolton.
- Que inconveniente - Merryweather interveio. - Mesmo assim, o Norte é grande. As terras poderiam ser divididas. Não precisa ser um arranjo permanente. Bolton poderá consentir, desde que lhe asseguremos de que nossas forças serão suas assim que Stannis for destruído.
- Ouvi dizer que Balon Greyjoy está morto - disse Sor Harys Swyft. - Sabemos quem governa agora as ilhas? Lorde Balon tinha um filho?
- Leo? - tossiu Lorde Gyles. - Theo?
- Theon Greyjoy foi criado em Winterfell, como protegido de Eddard Stark - disse Qyburn. - Não é provável que seja nosso amigo.
- Tinha ouvido dizer que estava morto - disse Merryweather.
- Só havia um filho? - Sor Harys Swyft repuxou a barbicha. - Irmãos. Havia irmãos. Não havia?
Varys saberia, pensou Cersei com irritação.
- Não pretendo subir para a cama com essa lamentável corja de lulas. A vez deles chegará, depois de ter lidado com Stannis. Aquilo de que necessitamos é de uma frota nossa.
- Proponho que construamos novos dromones - Aurane Waters falou. - Dez, para começar.
- E de onde virá o dinheiro? - Pycelle indagou.
Lorde Gyles tomou aquilo como um convite para recomeçar a tossir. Veio-lhe à boca mais cuspe cor-de-rosa, e ele o limpou dando pancadinhas na boca com um quadrado de seda vermelha.
- Não há... - conseguiu dizer, antes de a tosse lhe engolir as palavras. - ... não... nós não...
Sor Harys mostrou-se suficientemente perspicaz para compreender o significado que se escondia atrás da tosse.
- Os rendimentos da coroa nunca foram tão altos - objetou. - Foi o próprio Sor Kevan quem me disse.
Lorde Gyles tossiu;
- ... despesas... manto dourado...
Cersei já ouvira as objeções do homem.
- Nosso senhor tesoureiro está tentando nos dizer que temos homens de manto dourado de mais e ouro de menos - a tosse de Gyles começara a aborrecê-la. Garth, o Grosso, talvez não tivesse sido assim tão ruim. - Embora altos, os rendimentos da coroa não são suficientes para acompanhar as dívidas de Robert. Por consequência, decidi adiar o pagamento das somas devidas à Fé Sagrada e ao Banco de Ferro de Bravos até o fim da guerra - não havia dúvida de que o novo Alto Septão retorceria suas santas mãos, e os bravosianos guinchariam e grasnariam, mas, e daí? - Os fundos poupados serão usados para a construção de nossa nova frota.
- Vossa Graça é prudente - disse Lorde Merryweather. - Esta é uma medida sensata. É necessária, até a guerra terminar. Concordo.
- Eu também - Sor Harys assentiu.
- Vossa Graça - disse Pycelle numa voz insegura - temo que isto cause mais problemas do que imagina. O Banco de Ferro...
- ... continua em Bravos, longe, do outro lado do mar. Eles terão seu ouro, meistre. Um Lannister paga suas dívidas.
- Os bravosianos também têm um ditado - a corrente provida de joias de Pycelle tilintou suavemente. - O Banco de Ferro obterá o que lhe é devido.
- O Banco de Ferro obterá o que lhe é devido quando eu disser. Até esse momento, o Banco de Ferro esperará respeitosamente. Lorde Waters, dê início à construção de seus dromones.
- Muito bem, Vossa Graça.
Sor Harys remexeu alguns papéis.
- O assunto seguinte... Recebemos uma carta de Lorde Frey evidenciando algumas exigências...
- Quantas terras e honrarias quer esse homem? - a rainha exclamou. - Sua mãe deve ter tido três tetas.
- Os senhores podem não saber - disse Qyburn - mas nas tabernas e casas de pasto da cidade, há quem sugira que a coroa pode ter sido de algum modo cúmplice do crime de Lorde Walder.
Os outros conselheiros fitaram-no com incerteza.
- Refere-se ao Casamento Vermelho? - perguntou Aurane Waters.
- Crime? - disse Sor Harys. Pycelle pigarreou ruidosamente. Lorde Gyles tossiu.
- Aqueles pardais são particularmente diretos - preveniu Qyburn. - O Casamento Vermelho foi uma afronta a todas as leis dos deuses e dos homens, eles dizem, e os que tiveram uma participação no caso estão condenados.
Cersei não foi lenta para perceber o que ele queria dizer.
- Lorde Walder terá de enfrentar em breve o julgamento do Pai. É muito velho. Que os pardais cuspam em sua memória. Nada tem a ver conosco.
- Não - Sor Harys concordou.
- Não - ecoou Lorde Merryweather.
- Ninguém poderia pensar o contrário - Pycelle confirmou. Lorde Gyles tossiu.
- Um pouco de cuspe no túmulo de Lorde Walder não é coisa que perturbe os vermes - concordou Qyburn - mas também seria útil se alguém fosse punido pelo Casamento Vermelho. Algumas cabeças Frey fariam muito pelo apaziguamento do Norte.
- Lorde Walder nunca sacrificará os seus - Pycelle lembrou.
- Não - Cersei interveio em tom meditativo - mas seus herdeiros podem ser menos escrupulosos. Podemos esperar que Lorde Walder nos faça em breve a cortesia de morrer. Que melhor maneira para o novo Senhor da Travessia se livrar de meios-irmãos, primos desagradáveis e irmãs intriguistas do que indicando-os como culpados?
- Enquanto aguardamos a morte de Lorde Walder, há outro assunto - disse Aurane Waters. - A Companhia Dourada quebrou o contrato com Myr. Nas docas, tenho ouvido homens dizer que Lorde Stannis os contratou e vai trazê-los do outro lado do mar.
- Com o que lhes pagaria? - perguntou Merryweather. - Neve? Eles se chamam Companhia Dourada. Quanto ouro tem Stannis?
- Não muito - assegurou-lhe Cersei. - Lorde Qyburn falou com a tripulação daquela galé de Myr que se encontra na baía. Dizem que a Companhia Dourada se dirige a Volantis. Se pretendem vir para Westeros, estão marchando na direção errada.
- Talvez tenham se cansado de lutar do lado perdedor - sugeriu Lorde Merryweather.
- Também há isto - a rainha concordou. - Só um cego não consegue ver que nossa guerra está praticamente ganha. Lorde Tyrell tem Ponta Tempestade sob ataque, Correrrio está cercada pelos Frey e por meu primo Daven, nosso novo Protetor do Oeste. Os navios de Lorde Redwyne cruzaram os Estreitos de Tarth e sobem rapidamente a costa. Só restam em Pedra do Dragão alguns barcos de pesca para se oporem ao desembarque de Redwyne. O castelo pode se aguentar durante algum tempo, mas, assim que controlarmos o porto, podemos separar a guarnição do mar. Então só restará o próprio Stannis para nos aborrecer.
- Se é possível crer em Lorde Janos, ele está tentando fazer causa comum com os selvagens - avisou Grande Meistre Pycelle.
- Selvagens vestidos de peles - declarou Lorde Merryweather. - Lorde Stannis deve estar realmente desesperado para procurar tais aliados.
- Desesperado e insensato - concordou a rainha. - Os nortenhos odeiam os selvagens. Roose Bolton não deverá ter problemas em ganhá-los para nossa causa. Alguns já se reuniram ao seu filho bastardo para ajudá-lo a enxotar os malditos homens de ferro de Fosso Cailin e abrir caminho para o regresso de Lorde Bolton. Umber, Ryswell... esqueço-me dos outros nomes. Até Porto Branco está a ponto de se juntar a nós. Seu lorde concordou em casar ambas as netas com nossos amigos Frey e em abrir o porto aos nossos navios.
- Achava que não tínhamos navios - Sor Harys manifestou-se, confuso.
- Wyman Manderly era um vassalo leal de Eddard Stark - disse o Grande Meistre Pycelle. - Podemos confiar em tal homem?
Não podem os confiar em ninguém.
- É um velho gordo e assustado. No entanto, está se mostrando teimoso num ponto. Insiste que não dobrará o joelho até que lhe seja devolvido o herdeiro.
- E este herdeiro está em nossas mãos? - perguntou Sor Harys.
- Encontra-se em Harrenhal, se ainda estiver vivo. Gregor Clegane o tomou cativo - a Montanha nem sempre fora branda com seus prisioneiros, mesmo aqueles que valiam um resgate considerável. - Se estiver morto, suponho que tenhamos de enviar a Lorde Manderly a cabeça daqueles que o mataram, com nossos mais sinceros pedidos de desculpa - se uma cabeça era suficiente para apaziguar um príncipe de Dorne, um saco de cabeças deveria ser mais do que adequado para um nortenho gordo enrolado em peles de foca.
- Mas Lorde Stannis não procurará conquistar também a aliança de Porto Branco? - perguntou o Grande Meistre Pycelle.
- Oh, ele tentou. Lorde Manderly nos enviou suas cartas e respondeu com evasivas. Stannis exige as espadas e a prata de Porto Branco, pelas quais oferece... bem, nada - um dia teria de acender uma vela ao Estranho por ter levado Renly, deixando Stannis. Se tivesse sido ao contrário, sua vida teria sido mais dura. - Hoje mesmo chegou outra ave. Stannis enviou seu contrabandista de cebolas para negociar com Porto Branco em seu nome. Manderly enfiou o desgraçado numa cela. Pergunta o que deve fazer com ele.
- Que o envie para cá, para podermos interrogá-lo - sugeriu Lorde Merryweather. - O homem pode saber muitas coisas valiosas.
- Ele que morra - disse Qyburn. - Sua morte será uma lição para o Norte, mostrando-lhes o que acontece aos traidores.
- Estou bastante de acordo - a rainha disse. - Dei instruções a Lorde Manderly para lhe cortar imediatamente a cabeça. Isto porá fim a qualquer chance de Porto Branco apoiar Stannis.
- Stannis precisará de outra Mão - observou Aurane Waters com um risinho. - O cavaleiro dos nabos, talvez?
- Um cavaleiro dos nabos? - Sor Harys Swyft estava confuso. - Quem é esse homem? Nunca ouvi falar dele.
A única resposta de Waters foi um rolar de olhos.
- E se Lorde Manderly recusar? - Merryweather quis saber.
- Não se atreverá. A cabeça do Cavaleiro das Cebolas é a moeda com a qual terá de comprar a vida do filho - Cersei sorriu. - Aquele velho palerma gordo pode ter sido leal aos Stark à sua maneira, mas com os lobos de Winterfell extintos...
- Vossa Graça se esqueceu da Senhora Sansa - Pycelle lembrou-lhe.
A rainha se irritou.
- Pode ter certeza de que não me esqueci dessa pequena loba - recusava-se a proferir o nome da garota. - Devia ter lhe mostrado às celas negras, como filha de um traidor, mas em vez disso a acolhi entre os meus. Partilhou do meu salão e da minha lareira, brincou com meus filhos. Alimentei-a, vesti-a, tentei deixá-la um pouco menos ignorante acerca do mundo, e como foi que ela me pagou a bondade? Ajudou a assassinar meu filho. Quando encontrarmos o Duende, encontraremos também a Senhora Sansa. Ela não está morta... mas antes de eu acabar o que tenho planejado para ela, garanto-lhes, desatará a cantar ao Estranho, suplicando seu beijo.
Seguiu-se um silêncio incômodo. Terão todos engolido a língua? Cersei pensou, irritada. Aquilo era o suficiente para se perguntar por que se incomodava com um conselho.
- Em todo caso - ela prosseguiu - a filha mais nova de Lorde Eddard está com Lorde Bolton e irá se casar com seu filho Ramsay assim que Fosso Cailin cair - desde que a garota desempenhasse seu papel suficientemente bem para cimentar a pretensão a Winterfell, nenhum dos Bolton se importaria muito se ela fosse, na realidade, a cria de algum intendente ataviada por Mindinho. - Se o Norte precisa ter um Stark, lhe daremos um - permitiu que Lorde Merryweather voltasse a encher sua taça. - Outro problema surgiu na Muralha, porém. Os irmãos da Patrulha da Noite perderam o juízo e escolheram o bastardo de Ned Stark para ser seu Senhor Comandante.
- O rapaz chama-se Snow - Pycelle informou inutilmente.
- Vi-o de passagem uma vez em Winterfell - disse a rainha - se bem que os Stark tivessem feito o possível para escondê-lo. Parece-se muito com o pai - os bastardos do marido também tinham a sua aparência, embora Robert pelo menos tenha tido a elegância de mantê-los longe de vista. Uma vez, depois daquele lamentável assunto do gato, fizera uns ruídos sobre trazer uma filha ilegítima qualquer para a corte.
“Faça o que quiser”, dissera-lhe Cersei, “mas talvez venha a descobrir que a cidade não é um lugar saudável para uma garota em crescimento". A mancha negra que aquelas palavras lhe tinham conquistado não fora fácil esconder de Jaime, mas não voltara a ouvir falar daquela bastarda. Catelyn Tully era um a ratinha, caso contrário teria se livrado daquele Jon Snow no berço. Em vez disso, deixou a tarefa suja para mim.
- Snow também partilha o gosto de Lorde Eddard pela traição - disse. - O pai queria entregar o reino a Stannis. O filho deu-lhe terras e castelos.
- A Patrulha da Noite jurou não participar nas guerras dos Sete Reinos - recordou-lhes Pycelle. - Ao longo de milhares de anos, os irmãos negros mantiveram esta tradição.
- Até agora - Cersei rebateu. - O bastardo nos escreveu para afirmar que a Patrulha da Noite não favorece nenhum dos lados, mas seus atos revelam a mentira de suas palavras. Deu a Stannis comida e abrigo, e mesmo assim tem a insolência de nos suplicar armas e homens.
- Um ultraje - declarou Lorde Merryweather. - Não podemos permitir que a Patrulha da Noite junte suas forças às de Lorde Stannis.
- Temos de declarar esse Snow um traidor e um rebelde - concordou Sor Harys Swyft. - Os irmãos negros têm de destituí-lo.
O Grande Meistre Pycelle assentiu solenemente:
- Proponho que informemos Castelo Negro de que não lhes serão enviados mais homens até que Snow desapareça.
- Nossos novos dromones vão precisar de remadores - disse Aurane Waters. - Mandemos instruções aos lordes para que daqui em diante enviem a mim seus caçadores furtivos e ladrões, e não à Muralha.
Qyburn inclinou-se para a frente com um sorriso.
- A Patrulha da Noite nos protege a todos dos snarks e dos gramequins. Senhores, o que digo é que temos de ajudar os bravos irmãos negros.
Cersei lançou-lhe um olhar penetrante:
- Que está dizendo?
- O seguinte - disse Qyburn. - Há anos que a Patrulha da Noite suplica por homens. Lorde Stannis respondeu ao seu apelo. Poderá o Rei Tommen fazer menos do que isto? Sua Graça deve mandar cem homens para a Muralha. Ostensivamente para vestir o negro, mas, na verdade...
- ... para destituir Jon Snow do comando - terminou Cersei, deliciada. Eu sabia que tinha razão em querê-lo no meu conselho. - É isto mesmo que vamos fazer - soltou uma gargalhada. Se esse bastardo for mesmo filho do seu pai, não suspeitará de nada. Talvez até me agradeça, antes de a lâmina deslizar entre suas costelas - Deverá ser feito com cautela, certamente. Deixe o resto comigo, senhores - era assim que havia de lidar com um inimigo: com um punhal, não com uma declaração. - Hoje fizemos um bom trabalho, senhores. Agradeço-lhes. Há mais algum assunto?
- Uma última coisa, Vossa Graça - adiantou-se Aurane Waters, num tom de quem pede desculpas. - Hesito em ocupar o tempo do conselho com ninharias, mas, nos últimos tempos, tem-se ouvido um estranho falatório nas docas. Marinheiros vindos do leste. Falam de dragões...
- ... e sem dúvida de manticoras e de snarks barbudos? - Cersei soltou uma curta gargalhada abafada. - Venha ter comigo quando falarem de anões, senhor - pôs-se em pé, a fim de assinalar o fim da reunião.
Soprava um vento forte de outono quando Cersei saiu da sala do conselho, e os sinos do Abençoado Baelor continuavam a cantar sua canção de luto do outro lado da cidade. N o pátio, duas vintenas de cavaleiros golpeavam-se uns aos outros com espadas e escudos, somando ruído ao ruído. Sor Boros Blount escoltou a rainha de volta aos seus aposentos, onde foi encontrar Senhora Merryweather aos risinhos com Jocelyn e Dorcas.
- O que é tão engraçado?
- Os gêmeos Redwyne - Taena respondeu. - Ambos se apaixonaram pela Senhora Margaery. Costumavam lutar um contra o outro para ver qual deles seria o próximo Senhor da Árvore. Agora, ambos querem se juntar à Guarda Real, só para ficar perto da pequena rainha.
- Os Redwyne sempre tiveram mais sardas do que miolos - mas era útil saber aquilo. Se o Horror ou o Babeiro for encontrado na cama com Margaery... Cersei perguntou a si mesma se a pequena rainha gostaria de sardas. - Dorcas, vá buscar Sor Osney Kettleblack.
Dorcas corou:
- Às suas ordens.
Depois de a garota sair, Taena Merryweather lançou à rainha um olhar zombeteiro.
- Por que foi que ela ficou tão vermelha?
- Amor - foi a vez de Cersei rir. - Ela gosta do nosso Sor Osney - era o mais novo dos Kettleblack, o escanhoado. Embora tivesse os mesmos cabelos negros, nariz adunco e sorriso fácil do irmão Osmund, uma bochecha ostentava três longos arranhões, cortesia de uma das prostitutas de Tyrion. - Gosta das cicatrizes dele, parece-me.
Os olhos escuros da Senhora Merryweather brilharam de malícia.
- É isso mesmo. As cicatrizes fazem um homem parecer perigoso, e o perigo é excitante.
- Choca-me, senhora - disse a rainha, provocando. - Se o perigo a excita tanto assim, por que se casou com Lorde Orton? Todos o apreciamos, é verdade, mesmo assim... - Petyr comentara uma vez que a cornucópia que adornava as armas da Casa Merryweather se adequava admiravelmente a Lorde Orton, visto que tinha cabelos cor de cenoura, um nariz tão grande quanto uma raiz de beterraba e mingau de ervilha no lugar de miolos.
Taena deu risada:
- Meu senhor é mais magnânimo do que perigoso, é verdade. Mas... espero que Vossa Graça não pense mal de mim, mas não cheguei inteiramente donzela à cama de Orton.
Vocês nas Cidades Livres são todas prostitutas, não são? Era bom saber; um dia, poderia arranjar utilidade para isto.
- E, diga-me, quem foi esse amante tão... cheio de perigo?
A pele cor de oliva de Taena tornou-se ainda mais escura quando ela corou.
- Oh, não devia ter dito nada. Vossa Graça guardará meu segredo, não é?
- Os homens têm cicatrizes; as mulheres, mistérios - Cersei beijou-lhe o rosto. Arrancarei o nome dele bem depressa.
Quando Dorcas regressou com Sor Osney Kettleblack, a rainha mandou suas senhoras embora.
- Venha sentar-se comigo junto à janela, Sor Osney. Quer uma taça de vinho? - foi ela mesma quem os serviu. - Seu manto está gasto. Tenho em mente colocá-lo num novo.
- O que, um branco? Quem morreu?
- Ninguém, por enquanto - disse a rainha. - É este o seu desejo, juntar-se ao seu irmão Osmund em nossa Guarda Real?
- Preferiria ser guarda da rainha, se aprouver a Vossa Graça - quando Osney sorriu, as cicatrizes em seu rosto tomaram um tom vermelho vivo.
Os dedos de Cersei percorreram o caminho que elas seguiam no rosto do homem.
- Tem uma língua ousada, sor. Ainda fará que volte a me descontrolar.
- Ótimo - Sor Osney pegou-lhe a mão e beijou-lhe bruscamente os dedos. - Minha querida rainha.
- É um homem perverso - sussurrou a rainha - e não um verdadeiro cavaleiro, penso eu - permitiu que lhe tocasse os seios através da seda do vestido. - Basta.
- Não basta. Eu a desejo.
- Já me teve.
- Só uma vez - voltou a agarrar o seio esquerdo e deu-lhe um apertão desajeitado que fez Cersei se lembrar de Robert.
- Uma boa noite para um bom cavaleiro. Prestou-me um serviço com valentia, e obteve a recompensa - Cersei passeou os dedos pelas ataduras dele. Conseguia senti-lo enrijecer através dos calções - Foi um cavalo novo que montou no pátio ontem de manhã?
- O garanhão negro? Sim, Um presente de meu irmão Osfryd. Chamei-o Meia-Noite.
Que maravilhosa originalidade.
- Uma bela montaria para uma batalha. Para o prazer, porém, nada se compara a um galope numa jovem potra fogosa - concedeu-lhe um sorriso e um apalpão. - Diga-me a verdade. Acha que nossa pequena rainha é bonita?
Sor Osney se retraiu, cauteloso.
- Suponho que sim. Para uma garota. Eu prefiro ter uma mulher.
- E por que não ambas? - Cersei sussurrou. - Faça-me o favor de colher a rosinha, e não me achará ingrata.
- A rosinha... fala de Margaery? - o ardor de Sor Osney estava murchando nos calções. - Ela é a esposa do rei. Não houve um membro qualquer da Guarda Real que perdeu a cabeça por se deitar com a esposa de um rei?
- Há séculos - ela era a amante do rei, não a esposa, e a cabeça foi a única coisa que ele não perdeu. Aegon desmembrou-o pedaço por pedaço e obrigou a mulher a assistir. Contudo, Cersei não queria que Osney se pusesse a remoer esse antigo e desagradável caso. - Tommen não é Aegon, o Indigno. Não tenha medo, ele fará o que eu lhe pedir. Pretendo que seja Margaery a perder a cabeça, não você.
Aquilo o fez hesitar.
- Refere-se à virgindade?
- Isto também. Assumindo que ainda a tenha - voltou a percorrer-lhe as cicatrizes.
- A menos que pense que Margaery se mostre indiferente aos seus... encantos.
Osney lançou-lhe um olhar magoado.
- Ela gosta bastante de mim. Aquelas suas primas andam sempre me atormentando por causa do nariz. Que é muito grande, e tal. Da última vez que Megga fez isso, Margaery disse-lhes para parar, e que eu tinha um rosto adorável.
- Então, aí tem a prova.
- Aí tenho - concordou o homem, em tom de dúvida - mas o que terei se ela... se eu... depois de nós...
- ... fizerem o ato? - Cersei concedeu-lhe um sorriso cheio de farpas. - Dormir com uma rainha é traição. Tommen não terá alternativa exceto enviá-lo para a Muralha.
- A Muralha? - ele repetiu, consternado.
Foi com dificuldade que Cersei evitou rir. Não, é melhor não. Os homens odeiam que alguém ria deles.
- Um manto negro combinará bem com seus olhos e com esses seus cabelos negros.
- Ninguém regressa da Muralha.
- Você regressará. Tudo que precisa fazer é matar um rapaz.
- Que rapaz?
- Um bastardo conivente com Stannis. É jovem e verde, e você terá cem homens.
Kettleblack tinha medo, Cersei conseguia sentir, mas era orgulhoso demais para admiti-lo. Os homens são todos iguais.
- Já perdi a conta dos rapazes que matei - insistiu. - Depois de esse bastardo estar morto, obterei o perdão do rei?
- Isto, e uma senhoria - a menos que os irmãos de Snow enforquem você primeiro. - Um a rainha precisa de um consorte. Um consorte que não conheça o medo.
- Lorde Kettleblack? - um sorriso lento espalhou-se por seu rosto, e as cicatrizes flamejaram, rubras. - Sim, gosto do som disso. Um majestoso lorde...
- ... e digno de dormir com uma rainha.
O homem franziu as sobrancelhas.
- A Muralha é fria.
- E eu sou quente - Cersei pôs-lhe os braços em volta do pescoço. - Durma com uma garota e mate um rapaz, e serei sua. Tem coragem para isto?
Osney pensou um momento antes de assentir.
- Sou seu homem.
- É sim, sor - beijou-o e permitiu-lhe saborear um pouco de língua antes de se afastar. - Basta por agora. O resto terá de esperar. Sonhará comigo esta noite?
- Sim - a voz dele soou rouca.
- E quando estiver na cama com a nossa Donzela Margaery? -perguntou, provocando-o. - Quando estiver dentro dela, sonhará comigo nesse momento?
- Sonharei - jurou Osney Ketdeblack.
- Ótimo.
Depois de ele sair, Cersei chamou Jocelyn para lhe escovar os cabelos enquanto se descalçava e se espreguiçava como uma gata. Fui feita para isso, disse a si mesma. O que mais lhe agradava era a pura elegância do plano. Nem mesmo Mace Tyrell se atreveria a defender sua filha querida se fosse apanhada em flagrante com um homem como Osney Ketdeblack, e nem Stannis Baratheon nem Jon Snow teriam motivos para se interrogar sobre o motivo de Osney ser enviado para a Muralha. Assegurar-se-ia de ser Sor Osmund quem descobriria o irmão com a pequena rainha; deste modo, a lealdade dos outros dois Kettleblack não teria de ser posta em causa. Se o pai me pudesse ver agora, não se apressaria tanto a falar em voltar a me casar. Uma pena que esteja tão morto. Ele e Robert, Jon Arryn, Ned Stark, Renly Baratheon, todos mortos. Só resta Tyrion, e não por muito tempo.
Naquela noite, a rainha chamou a Senhora Merryweather ao seu quarto.
- Toma uma taça de vinho? - perguntou-lhe.
- Uma pequena - a mulher de Myr soltou uma gargalhada. - Uma grande.
- Amanhã quero que faça uma visita à minha nora - disse Cersei enquanto Dorcas a vestia para se deitar.
- A Senhora Margaery fica sempre feliz em me ver.
- Eu sei - a rainha não deixou de reparar no título que Taena usou ao se referir à pequena esposa de Tommen. - Diga-lhe que mandei sete velas de cera de abelha ao Septo de Baelor em memória de nosso querido Alto Septão.
Taena riu:
- Se é assim, ela mandará setenta e sete velas a fim de não ser ultrapassada em luto.
- Ficarei muito zangada se não o fizer - disse a rainha, sorrindo. - Diga-lhe também que tem um admirador secreto, um cavaleiro tão enfeitiçado por sua beleza que não consegue dormir à noite.
- Posso perguntar a Vossa Graça que cavaleiro é este? - a malícia cintilou nos grandes olhos escuros de Taena. - Poderá ser Sor Osney?
- Poderá ser - disse a rainha - mas não mencione este nome de imediato. Obrigue-a a se esforçar para obtê-lo. Fará o que lhe peço?
- Se lhe agradar. É tudo que desejo, Vossa Graça.
Lá fora levantava-se um vento frio. Ficaram acordadas até tarde, madrugada adentro, bebendo vinho Dourado da Árvore e contando histórias uma à outra. Taena embebedou-se bastante e Cersei arrancou-lhe o nome de seu amante secreto. Era um capitão naval de Myr, meio pirata, com cabelos negros até os ombros e uma cicatriz que lhe marcava o rosto do queixo à orelha.
- Disse-lhe cem vezes que não, e ele dizia que sim - contou-lhe a outra mulher - até que por fim também eu estava dizendo sim. Ele não era o tipo de homem que podia ser recusado.
- Conheço o gênero - disse a rainha com um sorriso perverso.
- Vossa Graça alguma vez conheceu um homem assim, pergunto-me?
- Robert - Cersei mentiu, pensando em Jaime.
Mas quando fechou os olhos, foi com o outro irmão que sonhou, e com os três malditos idiotas com quem começara o dia. No sonho, a cabeça que traziam no saco era a de Tyrion. Mandara revesti-la de bronze e guardava-a no penico.  

Um comentário:

  1. fica longe do Jon, vagabunda! ~exaltada~ mas a Melissandra tem aquelas chamas lá e pode alerta-lo... né?

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