domingo, 22 de setembro de 2013

38 - JAIME



O broche que prendia o manto de Sor Brynden Tully era um peixe negro, trabalhado em âmbar negro e ouro. Sua cota de malha era sombria e cinzenta. Por cima, usava grevas, gorjal, manoplas, ombreiras e joelheiras de aço enegrecido, e nada disso chegava sequer perto da escuridão que emanava da expressão em seu rosto enquanto esperava por Jaime Lannister na extremidade da ponte levadiça, sozinho, em cima de um corcel cor de avelã, ajaezado em vermelho e azul.
Ele não gosta de mim. Tully tinha um rosto escarpado, profundamente enrugado e queimado pelo vento, sob madeixas rígidas e grisalhas, mas Jaime ainda conseguia ver o grande cavaleiro que um dia cativara um escudeiro com histórias sobre os Reis das Nove Moedas. Os cascos de Honra tamborilaram nas tábuas da ponte levadiça. Jaime pensara longa e duramente sobre se deveria levar para aquele encontro sua armadura dourada ou a branca; por fim, escolhera uma jaqueta de couro e um manto carmesim.
Parou a um metro de Sor Brynden e inclinou a cabeça diante do homem mais velho.
- Regicida - disse Tully.
Que ele tivesse escolhido aquele nome como a primeira palavra a proferir era eloquente quanto bastava, mas Jaime estava decidido a dominar o temperamento.
- Peixe Negro - retorquiu. - Obrigado por ter vindo.
- Assumo que regressou para cumprir os juramentos que fez à minha sobrinha - disse Sor Brynden. - Se bem me lembro, prometeu a Catelyn as filhas em troca de sua liberdade - sua boca comprimiu-se. - No entanto, não vejo as garotas. Onde estão?
Ele precisa me obrigar a dizê-lo?
- Não as tenho.
- Pena. Deseja retornar para seu cativeiro? Sua antiga cela ainda está disponível. Pusemos palha fresca no chão.
E um belo balde novo para eu cagar, não duvido.
- Isso foi atencioso de sua parte, sor, mas temo que tenha de declinar. Prefiro os confortos do meu pavilhão.
- Enquanto Catelyn desfruta dos confortos de sua tumba.
Não houve participação minha na morte da Senhora Catelyn, ele poderia ter dito, e suas filhas já haviam desaparecido quando cheguei a Porto Real. Estava-lhe na língua falar de Brienne e da espada que lhe dera, mas Peixe Negro olhava-o como Eddard Stark o olhara quando o encontrara no Trono de Ferro com o sangue do Rei Louco na espada.
- Vim falar dos vivos, não dos mortos. Daqueles que não precisam morrer, mas morrerão...
- ... A menos que lhe entregue Correrrio. É agora que ameaça enforcar Edmure? - sob suas espessas sobrancelhas, os olhos de Tully eram pedra. - Meu sobrinho está marcado para morrer, não importa o que eu faça. Por isso, enforque-o e termine o assunto. Suponho que Edmure esteja tão farto de ficar naquele cadafalso como estou de vê-lo ali.
Ryman Frey é um maldito idiota. A farsa que encenara com Edmure e o cadafalso só tornara Peixe Negro mais obstinado, isto era evidente.
- Tem com você a Senhora Sybelle Westerling e três de seus filhos. Devolverei seu sobrinho em troca deles.
- Assim como devolveu as filhas da Senhora Catelyn?
Jaime não se deixou provocar.
- Uma velha e três crianças em troca de seu suserano. É um negócio melhor do que poderia esperar.
Sor Brynden exibiu um sorriso duro.
- Não lhe falta descaramento, Regicida. Mas barganhar com traidores é como construir em areia movediça. Cat devia ter tido a sensatez de não confiar em alguém como você.
Foi em Tyrion que ela confiou, Jaime quase disse. O Duende também a enganou.
- As promessas que fiz à Senhora Catelyn me foram arrancadas com a ponta de uma espada.
- E o juramento que prestou a Aerys?
Sentiu os dedos fantasmas se torcerem.
- Aerys não tem nada a ver com isso. Trocará os Westerling por Edmure?
- Não. Meu rei confiou sua rainha aos meus cuidados, e jurei mantê-la a salvo. Não a entregarei para um laço Frey.
- A garota foi perdoada. Nenhum mal lhe acontecerá. Tem a minha palavra quanto a isso.
- Sua palavra de honra! - Sor Brynden ergueu uma sobrancelha. - Sabe ao menos o que é honra?
Um cavalo.
- Prestarei qualquer juramento que me exigir.
- Poupe-me, Regicida.
- Quero fazê-lo. Arrie seus estandartes e abra os portões, e concederei a vida aos seus homens. Aqueles que desejarem permanecer em Correrrio a serviço de Lorde Emmon podem fazê-lo. Os outros ficarão livres para ir para onde quiserem, embora eu lhes exija que entreguem as armas e armaduras.
- Pergunto a mim mesmo até onde conseguirão ir, desarmados, antes que um bando de "fora da lei” caia sobre eles. Não se atreverá a permitir que se juntem a Lorde Beric, ambos sabemos. E eu? Serei exibido em passeata por Porto Real, para morrer como Eddard Stark?
- Permitirei que vista o negro. O bastardo de Ned Stark é o Senhor Comandante na Muralha.
Peixe Negro estreitou os olhos.
- Terá seu pai também organizado isso? Catelyn nunca confiou no rapaz, se bem me lembro, assim como nunca confiou em Theon Greyjoy. Parece que tinha razão a respeito de ambos. Não, sor, acho que não. Morrerei aquecido, se lhe aprouver, com uma espada na mão, rubra de sangue de leão.
- O sangue Tully é igualmente vermelho - Jaime lhe lembrou. - Se não quer entregar o castelo, terei de atacá-lo. Morrerão centenas de homens.
- Centenas dos meus. Milhares dos seus.
- Sua guarnição perecerá até o último homem.
- Conheço essa letra. Canta-a com a melodia de "As Chuvas de Castamere”? Meus homens preferirão morrer de pé lutando do que de joelhos diante do machado de um carrasco.
Isso não está indo bem ,
- Esse desafio não tem utilidade alguma, sor. A guerra acabou, e seu Jovem Lobo está morto.
- Assassinado, em quebra de todas as sagradas leis da hospitalidade.
- Obra dos Frey, não minha.
- Chamo do que eu quiser. Fede a Tywin Lannister.
Jaime não podia negar aquilo.
- Meu pai também está morto.
- Que o Pai o julgue com justiça.
Aí está uma terrível perspectiva.
- Eu teria matado Robb Stark no Bosque dos Murmúrios se tivesse conseguido chegar até ele. Houve uns tolos que se puseram em meu caminho. Importa o modo como o rapaz pereceu? Não está menos morto, e seu reino morreu com ele.
- Além de mutilado, deve ser cego. Erga os olhos e verá que o lobo gigante ainda voa sobre nossas muralhas.
- Já o vi. Tem um ar solitário. Harrenhal caiu. Guardamar e Lagoa da Donzela também. Os Bracken dobraram o joelho, e têm Tytos Blackwood encurralado em Corvarbor. Piper, Vance, Mooton, todos os seus vassalos se renderam. Só resta Correrrio. Temos vinte vezes mais homens do que vocês.
- Vinte vezes mais homens requerem vinte vezes mais comida. Como estão suas provisões, senhor?
- Suficientemente bem para ficarmos aqui até o fim dos tempos, se necessário, enquanto vocês passam fome no interior de suas muralhas - disse a mentira com o máximo de ousadia que conseguiu arranjar, esperando não ser traído pela expressão em seu rosto.
Peixe Negro não se deixou enganar.
- O fim dos seus tempos, talvez. Nossas provisões são amplas, embora eu tema que não tenhamos deixado grande coisa nos campos para os visitantes.
- Podemos trazer comida das Gêmeas - Jaime retrucou - ou do oeste, através dos montes, se se chegar a tal ponto.
- Se você o diz. Longe de mim questionar a palavra de um cavaleiro tão honrado.
O escárnio na voz do outro irritou Jaime.
- Há uma maneira mais rápida de decidir o assunto. Um combate singular. Meu campeão contra o seu.
- Perguntava a mim mesmo quando chegaria a essa ideia - Sor Brynden soltou uma gargalhada. - Quem será? Varrão Forte? Addam Marbrand? Walder Negro Frey? - inclinou-se para a frente. - Por que não você e eu, sor?
Essa teria sido uma bela luta em outros tempos, Jaime pensou, alimento perfeito para os cantores.
- Quando a Senhora Catelyn me libertou, obrigou-me a jurar que não voltaria a empunhar armas contra os Stark ou os Tully.
- Um juramento muito conveniente, sor.
O rosto de Jaime tornou-se sombrio.
- Está me chamando de covarde?
- Não. Estou chamando-o de aleijado - Peixe Negro indicou com a cabeça a mão dourada de Jaime. - Ambos sabemos que não pode lutar com isso.
- Eu tive duas mãos - jogaria a vida fora por orgulho? Sussurrou uma voz dentro de si. - Há quem diga que um aleijado e um velho estão bem um para o outro. Liberte-me do juramento prestado à Senhora Catelyn, e minha espada defrontará a sua. Se eu ganhar, Correrrio é nossa. Se me matar, levantaremos o cerco.
Sor Brynden voltou a rir.
- Por mais que gostasse ter a chance de lhe tirar essa espada dourada e de arrancar seu coração negro, suas promessas não têm nenhum valor. Nada ganharia com sua morte além do prazer de matá-lo, e não arriscarei minha vida por isso... Por menor que seja o risco.
Era bom que Jaime não tivesse trazido espada; caso contrário a teria desembainhado e, se Sor Brynden não o matasse, os arqueiros nas muralhas certamente o matariam.
- Existem alguns termos que aceitaria? - perguntou a Peixe Negro.
- Vindos de você? - Sor Brynden encolheu os ombros. - Não.
- Por que se incomodou em vir falar comigo?
- Um cerco é mortalmente cansativo. Quis ver esse seu coto e ouvir as desculpas que teria arranjado para suas últimas barbaridades. Foram mais fracas do que eu esperava. Decepciona sempre, Regicida - Peixe Negro deu meia-volta com a égua e trotou de volta a Correrrio. A porta levadiça desceu apressadamente, mordendo de maneira profunda o chão lamacento com seus espigões de ferro.
Jaime virou a cabeça de Honra para trás, para o longo trajeto de regresso às linhas de cerco dos Lannister. Sentia os olhos postos em si; os homens Tully em suas ameias, os Frey do outro lado do rio. Se não forem cegos, todos saberão que ele me atirou aos dentes a proposta que lhe fiz. Teria de assaltar o castelo. Bem , o que é mais um juramento quebrado para o Regicida? É só mais merda no balde. Jaime decidiu ser o primeiro homem a chegar às ameias. E, com essa minha mão de ouro, provavelmente o primeiro a cair.
De volta ao acampamento, Lew Pequeno segurou-lhe os freios, enquanto Peck o ajudava a descer da sela. Consideram-me um aleijado tão grande que não consegue nem desmontar sozinho?
- Como foi, senhor? - perguntou o primo, Sor Daven.
- Ninguém espetou uma flecha na garupa do meu cavalo. Fora isso, pouco houve que me distinguisse de Sor Ryman - fez um trejeito. - Portanto, agora vamos ter de tornar o Ramo Vermelho mais vermelho - culpe a si mesmo por isso, Peixe Negro. Poucas alternativas me deixou. - Reúna um conselho de guerra. Sor Addam, Varrão Forte, Forley Prester, esses seus senhores do rio... e os nossos amigos Frey. Sor Ryman, Lorde Emmon, quaisquer outros que queiram trazer.
Reuniram-se rapidamente. Lorde Piper e ambos os Lordes Vance vieram falar pelos senhores arrependidos do Tridente, cuja lealdade seria em breve posta à prova. O oeste estava representado por Sor Daven, Varrão Forte, Addam Marbrand e Forley Prester. Lorde Emmon Frey juntou-se a eles, com a esposa. Senhora Genna ocupou seu banco com um olhar que desafiava qualquer dos homens que ali se encontravam a pôr em causa sua presença. Nenhum deles o fez. Os Frey enviaram Sor Walder Rivers, conhecido como "Walder Bastardo” e o primogênito de Sor Ryman, Edwyn, um homem esguio e pálido com um nariz achatado e cabelos escuros e escorridos. Sob um manto azul de lã de ovelha, Edwyn trazia um justilho de bem talhado couro de vitela cinzento com complexos arabescos trabalhados no couro.
- Eu falo pela Casa Frey - anunciou. - Meu pai encontra-se indisposto esta manhã.
Sor Daven soltou uma fungadela.
- Está bêbado ou é só a ressaca do vinho de ontem à noite?
Edwyn tinha a boca dura e má de um sovina.
- Lorde Jaime - disse - terei de suportar tamanha descortesia?
- É verdade? - perguntou-lhe Jaime. - Seu pai está bêbado?
O Frey comprimiu os lábios e olhou Sor Ilyn Payne, que se encontrava em pé ao lado da aba da tenda com sua cota de malha enferrujada, e a espada espreitando atrás de um ombro ossudo.
- Ele... meu pai tem uma barriga má, senhor. O vinho tinto ajuda sua digestão.
- Deve estar digerindo o raio de um mamute - disse Sor Daven. Varrão Forte soltou uma gargalhada, e Senhora Genna um risinho abafado.
- Basta - disse Jaime. - Temos um castelo a conquistar - quando seu pai convocava conselhos deixava seus capitães falarem primeiro. Estava decidido a fazer o mesmo. - Com o devemos proceder?
- Enforque Edmure Tully, para começar - instou Lorde Emmon Frey. - Isso dirá a Sor Brynden que falamos sério. Se enviarmos a cabeça de Sor Edmure ao tio, talvez isso o convença a se render.
- Brynden Peixe Negro não se deixa convencer tão facilmente - Karyl Vance, Senhor do Pouso do Viajante, tinha um olhar melancólico. Uma mancha cor de vinho, de nascença, cobria-lhe metade do pescoço e um dos lados do rosto. - Seu próprio irmão não conseguiu convencê-lo a entrar numa cama de casado.
Sor Daven balançou a cabeça hirsuta.
- Temos de assaltar as muralhas, como digo desde o início. Torres de cerco, escadas, um aríete para quebrar o portão, é isso que aqui faz falta.
- Eu liderarei o assalto - disse Varrão Forte. - Damos um pouco de aço e fogo ao peixe, eis o que digo.
- As muralhas são minhas - protestou Lorde Emmon - e o portão que querem quebrar é meu - voltou a tirar da manga o pergaminho. - O próprio Rei Tommen me concedeu...
- Todos nós já vimos seu papel, tio - interrompeu Edwyn Frey. - Por que é que não vai mostrá-lo a Peixe Negro, para variar?
- Assaltar as muralhas será coisa sangrenta - disse Addam Marbrand. - Proponho que esperemos por uma noite sem luar e enviemos pelo rio uma dúzia de homens escolhidos num barco com remos abafados. Podem escalar as muralhas com cordas e ganchos, e abrir os portões pela parte de dentro. Eu os liderarei, se o conselho assim desejar.
- Loucura - declarou Walder Rivers, o bastardo. - Sor Brynden não é homem para ser enganado por truques assim.
- O obstáculo é Peixe Negro - concordou Edwyn Frey. - Seu elmo ostenta no topo uma truta negra que o torna fácil de identificar a distância. Proponho deslocar as torres de cerco para perto das muralhas, enchê-las de arqueiros e fingir um ataque aos portões. Isso trará Sor Brynden às ameias, com elmo e tudo. Que todos os arqueiros salpiquem as flechas com os dejetos da noite e escolham como alvo esse elmo. Assim que Sor Brynden morrer, Correrrio é nosso.
- Meu - chilreou Lorde Emmon. - Correrrio é meu.
A marca de nascença de Lorde Karyl escureceu.
- Serão os dejetos a sua contribuição, Edwyn? Um veneno mortal, não duvido.
- Peixe Negro merece uma morte mais nobre, e eu sou o homem que pode lhe dar isso - Varrão Forte deu um soco na mesa. - Eu o desafiarei para combate singular. Maça, machado ou espada, não importa. O velho será minha refeição.
- Por que haveria ele de se dignar a aceitar seu desafio, sor? - perguntou Sor Forley Prester. - O que ele poderia ganhar com um tal duelo? Levantaríamos o cerco se ele ganhasse? Não acredito. E ele também não. Um combate singular não resultaria em nada.
- Eu conheço Brynden Tully desde que servimos juntos como escudeiros, a serviço de Lorde Darry - disse Norbert Vance, o cego Senhor de Atranta. - Se aprouver aos senhores, deixem-me ir falar com ele e tentar fazê-lo compreender que não há esperança em sua posição.
- Ele compreende isso bastante bem - Lorde Piper rebateu. Era um homem baixo, rotundo, de pernas arqueadas, com um matagal de indomáveis cabelos ruivos, pai de um dos escudeiros de Jaime; a semelhança com o rapaz era inconfundível. - O raio do homem não é estúpido, Norbert. Ele tem olhos... e juízo bastante para se render a gente como esta - e dirigiu um gesto rude a Edwyn Frey e Walder Rivers.
Edwyn enfureceu-se.
- Se o senhor de Piper pretende insinuar...
- Eu não insinuo, Frey. Digo o que penso com franqueza, como um homem honesto. Mas o que saberia você dos modos dos homens honestos? É uma traiçoeira doninha mentirosa, como toda sua família. Mais depressa beberia um quartilho de mijo do que aceitaria a palavra de qualquer Frey - debruçou-se sobre a mesa. - Responda-me a isto: onde está Marq? O que fez ao meu filho? Ele era um convidado em seu maldito casamento.
- E nosso convidado de honra permanecerá - disse Edwyn - até que demonstre sua lealdade a Sua Graça, Rei Tommen.
- Cinco cavaleiros e vinte homens de armas foram com Marq para as Gêmeas - Piper emendou. - Também são seus convidados, Frey?
- Alguns dos cavaleiros, talvez. Os outros não receberam mais do que mereciam. Faria bem em dominar essa língua de traidor, Piper, a menos que queira que seu herdeiro lhe seja devolvido aos pedaços.
Os conselhos de meu pai nunca corriam assim, Jaime pensou quando Piper se pôs em pé de um salto.
- Diga isso com uma espada na mão, Frey - rosnou o pequeno homem. - Ou será que só luta com manchas de merda?
A cara chupada do Frey empalideceu. Ao seu lado, Walder Rivers se ergueu.
- Edwyn não é um homem de armas... Mas eu sou, Piper. Se tiver mais comentários a fazer, vá lá fora e os faça.
- Isto é um conselho de guerra, não uma guerra - Jaime lembrou-lhes. - Sentem-se, ambos - nenhum dos homens se mexeu. - Já!
Walder Rivers sentou-se. Lorde Piper não foi tão fácil de intimidar. Resmungou uma praga e saiu da tenda a passos largos.
- Mando homens atrás dele para arrastá-lo de volta, senhor? - Sor Daven perguntou a Jaime.
- Mande Sor Ilyn - instou Edwyn Frey. - Só precisamos da cabeça.
Karyl Vance virou-se para Jaime.
- Lorde Piper deu voz à dor. Marq é seu primogênito. Todos aqueles cavaleiros que o acompanharam às Gêmeas eram primos e sobrinhos.
- Todos traidores e rebeldes, quer dizer - Edwyn Frey retrucou.
Jaime lançou-lhe um olhar frio.
- As Gêmeas também apoiaram a causa do Jovem Lobo - lembrou aos Frey. - Depois o traíram. Isso faz que sejam duas vezes mais traiçoeiros do que Piper - gostou de ver o fino sorriso de Edwyn coalhar e morrer. Já aguentei conselhos suficientes por um dia, decidiu. - Terminamos. Tratem de seus preparativos, senhores. Atacaremos à primeira luz da aurora.
O vento soprava do norte quando os lordes saíram em fila da tenda. Jaime conseguia cheirar o fedor dos acampamentos Frey do lado de lá do Pedregoso. Do outro lado da água, Edmure Tully estava abandonado sobre o grande cadafalso cinzento, com uma corda em volta do pescoço.
A tia foi a última a partir, com o marido a morder-lhe os calcanhares.
- Senhor sobrinho - protestou Emmon - esse assalto contra meus domínios... Não pode fazer isso - quando engoliu em seco, o pomo de adão moveu-se para cima e para baixo. - Não pode. Eu... eu o proíbo - estivera mascando folhamarga outra vez; uma espuma rosada cintilava em seus lábios. - O castelo é meu, tenho o pergaminho. Assinado pelo rei, pelo pequeno Tommen. Sou o legítimo senhor de Correrrio e...
- Enquanto Edmure Tully estiver vivo não é - disse Senhora Genna. - Ele tem coração e cabeça fracos, bem sei, mas vivo o homem continua a ser um perigo. O que pretende fazer quanto a isso, Jaime?
O perigo é Peixe Negro, não Edmure.
- Deixe Edmure comigo. Sor Lyle, Sor Ilyn, venham comigo, por favor. Está na hora de fazer uma visita àquele cadafalso.
Pedregoso era mais profundo e rápido do que Ramo Vermelho, e o vau mais próximo ficava a léguas a montante. O barco tinha acabado de partir com Walder Rivers e Edwyn Frey quando Jaime e seus homens chegaram ao rio. Enquanto esperavam seu regresso, Jaime disse-lhes o que queria. Sor Ilyn cuspiu para o rio.
Quando os três saíram do barco na margem norte, uma seguidora de acampamentos embriagada ofereceu-se para dar prazer com a boca a Varrão Forte.
- Olha, dê prazer ao meu amigo - disse Sor Lyle, empurrando-a na direção de Sor Ilyn. Rindo, a mulher aproximou-se para beijar Payne nos lábios, mas então viu seus olhos e se encolheu.
Os caminhos entre as fogueiras eram pura lama marrom, misturada com bosta de cavalo e revirada tanto por cascos como por botas. Por todo lado Jaime via as torres gêmeas da Casa Frey exibida em escudos e estandartes, azuis sobre fundo cinzento, em conjunto com as armas de Casas menores juramentadas à Travessia: a garça-real de Erenford, a forquilha de Haigh, os três rebentos de visco branco de Lorde Charlton. A chegada do Regicida não passou despercebida. Uma velha que vendia leitões aninhados num cesto parou para fitá-lo, um cavaleiro com um rosto que quase lhe era familiar caiu sobre um joelho, e dois homens de armas que mijavam em uma vala viraram-se e deram uma ducha um no outro.
- Sor Jaime - chamou alguém atrás dele, mas Jaime continuou a caminhar sem se virar. Ao redor, vislumbrou o rosto de homens que tinha tentado matar no Bosque dos Murmúrios, onde os Frey lutaram sob os estandartes do lobo gigante de Robb Stark. Sua mão dourada pendia-lhe, pesada, do flanco.
O grande pavilhão retangular de Ryman Frey era o maior do acampamento; suas paredes de lona cinzenta tinham sido feitas de quadrados cosidos uns aos outros para fazer lembrar pedras, e seus dois bicos evocavam as Gêmeas. Longe de estar indisposto, Sor Ryman desfrutava de um pouco de entretenimento. O som dos risos ébrios de uma mulher pairaram no ar, vindos de dentro da tenda, misturados com a toada de uma harpa e a voz de um cantor. Mais tarde lidarei com você, sor, Jaime pensou. Walder Rivers estava em pé diante de sua modesta tenda, conversando com dois homens de armas. Seu escudo mostrava as armas da Casa Frey com as cores invertidas e uma faixa vermelha sobre as torres. Quando o bastardo viu Jaime, franziu as sobrancelhas. Ora, isto é que é um frio olhar de suspeita. Aquele tipo é mais perigoso do que qualquer um de seus irmãos legítimos.
O cadafalso fora erguido a três metros do chão. Dois lanceiros encontravam-se em posição na base dos degraus.
- Não pode subir sem licença de Sor Ryman - disse um deles a Jaime.
- Isto diz que posso - Jaime bateu no cabo da espada com um dedo. - A questão é: terei de passar por cima do seu cadáver?
O lanceiro afastou-se para o lado.
No topo do cadafalso, o Senhor de Correrrio fitava o alçapão abaixo de si. Tinha os pés negros e cobertos de lama seca, as pernas estavam nuas. Edmure usava uma suja túnica de seda listrada do azul e vermelho de Tully, e um laço de corda de cânhamo. Ao ouvir os passos de Jaime, ergueu a cabeça e lambeu os lábios secos e rachados.
- Regicida! - ver Sor Ilyn fez o Senhor de Correrrio esbugalhar os olhos. - Antes uma espada do que uma corda. Cuide disso, Payne.
- Sor Ilyn - disse Jaime. - Ouviu Lorde Tully. Cuide disso.
O cavaleiro silencioso pegou na espada com ambas as mãos. Era longa e pesada, tão afiada como o aço comum podia ser. Os lábios rachados de Edmure moveram-se sem emitir um som. Quando Sor Ilyn puxou a lâmina para trás, fechou os olhos. O golpe teve todo o peso de Payne atrás de si.
- Não! Pare! NÃO! - Edwyn Frey surgiu arquejando - Meu pai vem aí. O mais depressa que pode. Jaime, precisa...
- Senhor agrada-me mais, Frey - Jaime disse. - E faria bem em omitir precisa de qualquer frase dirigida a mim.
Sor Ryman subiu ruidosamente a escada do cadafalso na companhia de uma prostituta de cabelos de palha, tão bêbada quanto ele. O vestido que trazia era atado à frente, mas alguém o abrira até o umbigo, de modo que os seios transbordavam de lá de dentro. Eram enormes e pesados, com grandes mamilos marrons. Um aro de bronze martelado empoleirava-se, torto, em sua cabeça, gravado com runas e ornado com pequenas espadas negras. Quando viu Jaime, deu risada.
- Quem, nos sete infernos, é este?
- O Senhor Comandante da Guarda Real - retorquiu Jaime com uma fria cortesia. - Posso lhe fazer a mesma pergunta, senhora?
- Senhora? Não sou senhora nenhuma. Sou a rainha.
- Minha irmã ficará surpresa quando ouvir essa notícia.
- Lorde Ryman coroou-me, em pessoa - balançou seus amplos quadris. - Sou a rainha das putas.
Não, pensou Jaime, minha querida irmã também é dona deste título.
Sor Ryman descobriu que tinha língua.
- Cale a boca cadela, Lorde Jaime não quer ouvir os disparates de uma puta qualquer - aquele Frey era um homem corpulento, de rosto largo, olhos pequenos e um mole e carnudo conjunto de queixos. O hálito fedia a vinho e cebolas.
- Fazendo rainhas, Sor Ryman? - Jaime perguntou gentilmente. - É estúpido. Tão estúpido quanto essa coisa com Lorde Edmure.
- Eu avisei Peixe Negro. Disse-lhe que Edmure morreria, a menos que o castelo se rendesse. Mandei fazer esse cadafalso para lhe mostrar que Sor Ryman Frey não faz ameaças vãs. Em Guardamar, meu filho Walder fez o mesmo com Patrek Mallister, e Lorde Jason dobrou o joelho, mas... Peixe Negro é um homem frio. Rejeitou-nos, de modo que...
- ... enforcou Lorde Edmure?
O homem enrubesceu.
- O senhor meu avô... Se enforcássemos o homem, não teríamos refém, sor. Pensou nisso?
- Só um idiota faz ameaças que não está preparado para levar adiante. Se eu ameaçasse bater em você caso não calasse a boca e você ousasse falar, o que acha que eu faria?
- Sor, não compre...
Jaime bateu no Frey. Foi um golpe dado com as costas da mão de ouro, mas a força com que foi dado fez Sor Ryman cair para trás, aos tropeções, nos braços de sua puta.
- Tem uma cabeça gorda, Sor Ryman, e também um pescoço grosso. Sor Ilyn, quantos golpes seriam necessários para cortar aquele pescoço?
Sor Ilyn encostou um único dedo ao nariz.
Jaime soltou uma gargalhada.
- Uma arrogância vazia. Eu aposto em três.
Ryman Frey caiu de joelhos.
- Eu nada fiz...
- ... além de beber e ficar com as putas. Bem sei.
- Sou herdeiro da Travessia. Não pode...
- Eu lhe avisei a respeito de falar - Jaime viu o homem ficar branco. Um bêbado, um idiota e um covarde. É melhor que Lorde Walder sobreviva a esse tipo, senão os Frey estão feitos. - Está dispensado, sor.
- Dispensado?
- Ouviu o que eu disse. Vá embora.
- Mas... para onde irei?
- Para o inferno, ou para casa, o que preferir. Que não esteja no acampamento quando o sol nascer. Pode levar sua rainha das putas, mas essa coroa que ela usa não - Jaime virou-se para o filho de Sor Ryman. - Edwyn, lhe darei o comando que era de seu pai. Tente não ser tão estúpido como ele.
- Isso não deverá ser tão difícil, senhor.
- Envie uma mensagem a Lorde Walder. A coroa exige todos os seus prisioneiros - Jaime fez um gesto com a mão de ouro. - Sor Lyle, traga-o.
Edmure Tully caíra de bruços no patíbulo quando a lâmina de Sor Ilyn cortara a corda em duas. Trinta centímetros de cânhamo ainda pendiam do laço amarrado ao seu pescoço. Varrão Forte agarrou na ponta da corda e a puxou até colocá-lo em pé.
- Um peixe com uma coleira - ele disse, rindo alto. - Aí está uma coisa que nunca tinha visto.
Os Frey abriram alas para deixá-los passar. Uma multidão reunira-se junto do cadafalso, incluindo uma dúzia de seguidoras de acampamentos em vários graus de nudez. Jaime reparou num homem que trazia uma harpa.
- Você. Cantor. Venha comigo.
O homem tirou o chapéu.
- Às ordens do senhor.
Ninguém proferiu uma palavra no trajeto de volta ao barco, com o cantor de Sor Ryman a segui-los. Mas, quando afastaram o barco da margem do rio e se dirigiram à margem sul do Pedregoso, Edmure Tully agarrou Jaime pelo braço.
- Por quê?
Um Lannister paga suas dívidas, pensou, e você é a única moeda que me resta.
- Considere isso um presente de casamento.
Edmure o fitou com olhos desconfiados.
- Um... presente de casamento?
- Segundo me disseram, sua esposa é bonita. Tinha de ser, para ter ficado com ela na cama enquanto sua irmã e seu rei eram assassinados.
- Não sabia - Edmure lambeu os lábios rachados. - Havia rabequistas à porta do quarto...
- E a Senhora Roslin o distraiu.
- Ela... eles a obrigaram a fazer aquilo, Lorde Walder e os outros. Roslin não queria... Ela chorou, mas pensei que era...
- A visão de seu esplêndido membro viril? Sim, isso deve fazer qualquer mulher chorar, com certeza.
- Ela está grávida de um filho meu.
Não, Jaime retrucou em pensamento, o que cresce na barriga dela é a sua morte. De volta ao seu pavilhão, mandou embora Varrão Forte e Sor Ilyn, mas não o cantor.
- Posso precisar de uma canção em breve - disse ao homem. - Lew, aqueça água para o meu convidado tomar banho. Pia, arranje-lhe uma roupa limpa. Nada que tenha leões, por favor. Peck, vinho para Lorde Tully. Está com fome, senhor?
Edmure confirmou com a cabeça, mas seus olhos mantinham-se cheios de suspeita.
Jaime instalou-se num banco enquanto Tully tomava seu banho. A imundície saiu em nuvens cinzentas.
- Depois de comer, meus homens o escoltarão até Correrrio. O que acontecer depois depende de você.
- O que quer dizer?
- Seu tio é um velho. Valente, sim, mas a melhor parte de sua vida ficou para trás. Não tem noiva que chore por ele, nem filhos para defender. Uma boa morte é tudo que Peixe Negro pode almejar... Mas a você restam anos, Edmure. E é você, não ele, o legítimo senhor da Casa Tully. Seu tio serve às suas ordens. O destino de Correrrio está em suas mãos.
Edmure sobressaltou-se.
- O destino de Correrrio...
- Entregue o castelo e ninguém morrerá. Seu povo pode ir em paz ou ficar para servir Lorde Emmon. Será permitido a Sor Brynden que vista o negro, e o mesmo acontecerá a todos os membros da guarnição que escolham se juntar a ele. A você também, se sentir o apelo da Muralha. Ou pode ir para Rochedo Casterly como meu cativo e se beneficiar de todo o conforto e cortesia que é próprio de um refém de seu estatuto. Mandarei sua esposa se juntar a você, se quiser. Se seu filho for menino, servirá à Casa Lannister como pajem e escudeiro, e quando conquistar seu grau de cavaleiro, cederei a ele algumas terras. Se Roslin lhe der uma filha, darei um bom dote quando ela tiver idade para se casar. A você poderá ser dada liberdade condicional depois de terminada a guerra. Basta que entregue o castelo.
Edmure ergueu as mãos da banheira e observou a água que escorria entre seus dedos.
- E se eu não me render?
Precisa me obrigar a dizer as palavras? Pia estava junto à aba da tenda com os braços cheios de roupa. Seus escudeiros também ouviam, assim como o cantor. Que ouçam, pensou Jaime. Que o mundo ouça. Não importa. Obrigou-se a sorrir.
- Viu nossos números, Edmure. Viu as escadas, as torres, as catapultas, os aríetes. Se eu der a ordem, meu primo lançará uma ponte sobre o seu fosso e quebrará o portão. Centenas de homens morrerão, a maioria seus. Seus antigos vassalos constituirão a primeira onda de atacantes, de modo que começará o dia matando os pais e os irmãos de homens que morreram por você nas Gêmeas. A segunda onda serão os Frey, não me faltam desses. Meus homens do oeste serão os seguintes, quando seus arqueiros já tiverem escassez de flechas e seus cavaleiros se encontrarem tão cansados que quase não conseguirão erguer as lâminas. Quando o castelo cair, todos os que se encontrarem lá dentro serão passados pela espada. Seus rebanhos serão abatidos, seu bosque sagrado será derrubado, suas fortalezas e torres queimarão. Derrubarei suas muralhas e mudarei o curso do Pedregoso para passar sobre as ruínas. Quando terminar, ninguém saberá que aqui outrora havia um castelo - Jaime se levantou. - Sua esposa poderá parir antes disso. Suponho que vai querer seu filho. Mandarei para você quando nascer. Em uma catapulta.
Um silêncio seguiu-se ao discurso. Edmure ficou sentado no banho. Pia apertou a roupa contra os seios. O cantor apertou uma corda na harpa. Lew Pequeno tirou o miolo de uma fatia de pão duro para fazer um prato, fingindo não ter ouvido. Em uma catapulta, Jaime refletiu. Se sua tia estivesse ali, continuaria a dizer que o herdeiro de Tywin era Tyrion?
Edmure Tully finalmente encontrou a voz.
- Poderia sair desta banheira e matá-lo aí mesmo, Regicida.
- Podia tentar - Jaime esperou. Quando Edmure não fez nenhum movimento para se erguer, disse: - Vou deixá-lo saborear minha comida. Cantor, toque para nosso convidado enquanto ele come. Conhece a canção, suponho?
- Aquela sobre a chuva? Sim, senhor. Conheço-a.
Edmure pareceu ver o homem pela primeira vez.
- Não. Ele não. Afaste-o de mim.
- Ora, é só uma canção - Jaime rebateu. - Ele não pode ter uma voz assim tão ruim.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados